O mês passado no meio da azáfama de
começo de aulas estava eu a identificar os livros da minha filha com ela ao
lado quando liguei a TV. Estava na SIC e deixei estar. Estava a dar o programa
da tarde com um grande ênfase sobre a nova telenovela da SIC, um grande tempo
de antena. Estavam a falar especificamente da Cova da Moura, na Amadora, com
pequenas reportagens no bairro, um senhor a explicar que cresceu, estudou e
formou-se advogado, e com uma modelo que veio propositadamente dos EUA para
fazer parte da telenovela.
B olhava como que hipnotizada para a TV e pergunta: “Onde é a Cova da
Moura?”. Expliquei onde fica. Fez silêncio, entretanto uma rapariga é
entrevistada e explica que foi vítima de racismo numa entrevista de emprego,
uma vez que mencionou que morava na Cova da Moura. Vi nos olhos da minha filha
que não estava a perceber, tal a inocência. Perguntou “Racismo? Mas porque mora
na Cova da Moura?”. Fui muito crua quando lhe respondi: “Bea, nunca esperes ter
a vida facilitada porque tens essa cor de pele linda, porque és mulher e porque
moras na Amadora”.
Nisto oiço o advogado formado criado na Cova da Moura, explicar o que eu
já tinha percebido, é difícil ser-se preto, ser-se da Amadora e ainda por cima
da Cova da Moura. Que a Cova da Moura é problemática, é, mas tem muita gente
boa e trabalhadora, e que é um bairro que tem muita vida.
Bom, não vejo telenovelas, mas tive que lá ir
espreitar e o cenário “está um pouco cor de rosinha”. , Como em todo o lado há
pessoas más e pessoas boas. E existe um programa social muito bom que conheço
há alguns anos. Sei que tentam fazer um grande trabalho em tirar alguns miúdos
da “má vida”, um trabalho um pouco ingrato, mas muito recompensador.
À Cova da Moura fui muito poucas vezes, acho que conto pelos dedos de uma
mão. Lembro-me que cada vez que lá entrei, sabia que todos sabiam que eu estava
a entrar e que era uma desconhecida, portanto aquilo não é assim tão idílico
como parece.
E só quem não conhece pode falar com sorrisinhos e mandar bitaites, porque
na nossa generalidade temos muito medo do desconhecido.
Apenas retenho que a minha filha ainda não tem noção do que é e um dia,
tal como a mãe, alguém vai lhe partir o coração por causa de um pequeno grande
pormenor, que é a sua cor. A mim cabe-me prepará-la, tentando não envenená-la
com ideias pré-concebidas. Ela já está no quinto ano, agora é que vai começar a
perceber o que é o Mundo.
E venho outra vez apelar ao sonho de Martin Luther King:
“ …, eu tenho um sonho. O sonho de ver os meus filhos julgados por sua
personalidade, não pela cor de sua pele...”
https://beu77.blogspot.com/2017/10/all-lives-matters.html
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