Sabem aqueles dias em que te sentes mesmo em baixo,
ouves as notícias e ficas mais triste, olhas lá para fora e está a chover,
olhas para a tua conta bancária e está miserável, a tua renda da casa aumentou
duzentos euros e não sabes como te vais safar, alguém próximo de ti está muito
doente, não estás com motivação para nada, foste ao médico e sentes que estás a
lutar contra uma coisa que volta e meia vences a batalha, mas não a guerra?
Esses dias.
Acho que todos nós de vez em quando sentimos isso.
Uns mais intensamente que outros, outros mais barulhentos que outros, outros
mais mal-humorados ou mais chorosos.
Há dias que choro, não parece, mas sim, choro. É
raro eu chorar. Quando choro é às escondidas. Não gosto que ninguém veja. E
apesar de o evitar, é um alívio porque significa que não sou um robot, que não
sou hipócrita ou fria e que consigo chorar.
Chorar não é um ato regular na minha vida. Sempre
aprendi a controlar esse choro à medida que fui crescendo, o que tornou-me
assustadoramente fria.
Lembro-me de ter chorado infinitas vezes na
adolescência quando partiram-me o coração e que muitas vezes chorei enquanto
namorava com o pai da minha filha.
Depois de adulta quase nunca chorei perto da minha
mãe. Não sei explicar, talvez é um ato de proteção para com ela. Não gosto de
vê-la triste quando estou triste. Dói-me a alma vê-la assim, sempre que posso,
escondo.
Na minha fase adulta, a minha mãe, das poucas e
únicas vezes que me viu chorar, foi quando lhe telefonei a dizer que ia sair de
casa, deixar um casamento de seis anos. Ela apenas disse “eu vou-te buscar à
paragem”.
E quando me viu, eu vinha com lágrimas a escorrer
na cara. Sem dizer uma única palavra, apenas tirou-me a miúda dos braços, olhou
para mim e disse “não chores por aquele estupor, ele não merece uma única
lágrima tua”.
Sempre fui assim, uma criança que chorava
silenciosamente. A minha mãe ralhava e eu não dizia nada, apenas chorava.
Talvez por saber que se chorasse a minha mãe ia ficar triste. A minha mãe
apesar de não parecer, é uma pessoa extremamente sensível, só passado muitos
anos é que tive essa claridade, mas no fundo eu sempre soube.
Uma vez chorei à frente da minha filha, muitos anos
mais tarde, tinha ela uns dez anos. Não estava a aguentar a pressão de ser mãe
trabalhadora de uma menina tão respondona e indomável, estava a tomar conta de
mim. Então sentei-me à beira dela e perguntei-lhe porque me tratava assim, como
se eu tivesse alguma culpa, quando era a pessoa que mais a amava. Ela fez o
mesmo, que eu fazia em pequena, chorou silenciosamente e adormeceu. Naquele
momento crescemos as duas um bocadinho.
Com o passar do tempo fui percebendo que ela ao
invés de gritar e de espernear ou de responder-me, foi-se calando, fechando-se
cada vez mais e até tornar-se num cofre.
O silêncio é um grito demasiado alto, então fui à
psicóloga com a minha filha. Fez o desfavor de nunca lhe dizer uma única
palavra durante um mês. Duzentos e cinquenta euros para o lixo, desisti, mas
não foi preciso muito para ela própria perceber que precisava de falar com
alguém. Primeiro foi a psicóloga da escola e depois a uma particular. E a
diferença foi enorme, começou a falar, a chorar num filme emotivo, começou a
partilhar mais coisas da escola, a partilhar o seu mundo de amigos na nossa
casa e na dos avós.
Isto para vos dizer que a Minimi aprendeu uma lição
muito valiosa, muito mais que eu e a maioria das pessoas. Sentiu que precisava
de ajuda para gerir as suas emoções.
É aqui que eu quero chegar, gerir emoções. Seja
stress, tristeza, alegria e frustração.
Faltam-nos essas ferramentas. Não nos foram
ensinadas, não quisemos aprendê-las no devido tempo ou não queremos olhar de
frente para elas. Aquela velha questão “se não pensarmos, está tudo bem”.
Não está tudo bem. A verdade é que há dias em que
estamos no fundo do poço e que precisamos mesmo de falar com alguém, precisamos
de deitar tudo cá para fora.
Uma sábia menina de 30 anos ao dizer-lhe que eu
estava a pensar em coisas para estar ocupada, porque a minha cabeça às vezes
está demasiado irrequieta disse-me que deveria ver isso mais de uma outra
perspetiva, de talvez precisasse de falar sobre isso com um profissional.
A questão e minha resposta é que fazendo uma introspeção,
não estou preparada para me sentar num sofá e ir escarafunchar o que está no
fundo do poço.
Se por um lado quando minha filha depois das
sessões vinha mais leve, mais faladora, mais comunicativa. Por outro lado, a
sua bagagem é diferente da minha e das outras pessoas, cada um tem sua bagagem
emocional. Não sei se sairia dali contente. Acho que não. Na verdade, acho que
estou a adiar a ida. Procurando ajudas em livros de autoajuda, discursos
motivadores e podcasts, mas essencialmente escrevendo.
Costumava dizer na passagem do ano que queria ser
uma pessoa melhor, no final de janeiro isso já tinha ido à vida. Na realidade,
a minha nova resolução é ser realmente uma pessoa melhor, mas aceitando-me como
sou. Desbocada, sincera, sem filtros, mas com mais cuidado. Dou por mim a
praticar a empatia, quase todos os dias. A pôr-me no lugar do outro.
Nunca sabes o que se passa do outro lado.
Eu sei que a nossa dor é só nossa e que cada um reage como sabe.
No meu caso quando estou mesmo lá em baixo, faço o seguinte exercício e sugiro que o façam também:
- Pensa nas saudades que alguém está a sentir de
alguém por culpa da distância.
- Pensa nas pessoas que sofrem tanto mentalmente,
que caem numa profunda depressão ao ponto de se magoarem.
- Pensa nos sem abrigos num dia de frio ou de chuva.
- Pensa nas crianças que vão para a escola e só têm
uma refeição por dia,
- Pensa nas crianças e mulheres que são maltratadas
e os seus agressores saem em liberdade,
- Pensa em alguém doente numa cama de hospital
sozinho.
- Pensa na Injustiça da Igreja Católica que não expulsa os padres que estão a ser acusados de pedofilia, “porque até haver provas estão inocentes” …
Sozinhos não conseguimos mudar o mundo, mas se sairmos
da nossa redoma e dermos a mão a alguém, estamos a mudar o mundo dessa pessoa.
Chora, limpa as lágrimas e vai fazer alguma
diferença na vida de alguém.
"Tristeza é quando chove
quando está calor demais
quando o corpo dói
e os olhos pesam
tristeza é quando se dorme pouco
quando a voz sai fraca
quando as palavras cessam
e o corpo desobedece
tristeza é quando não se acha graça
quando não se sente fome
quando qualquer bobagem
nos faz chorar
tristeza é quando parece
que não vai acabar."
-Martha Medeiros-
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