Aos dois
anos a minha filha disse-me com o seu já palavreado muito acentuado que
não queria que eu lhe vestisse umas calças. E eu podia ter dito: “não fofinha,
tu fazes aquilo que eu quero”, mas não o fiz. A partir desse dia nunca mais lhe
vesti o que eu queria, mudei o varão do armário para que lhe ficasse mais à mão
e as gavetas estão arrumadas de acordo para que ela possa escolher o que ela
quiser levar.
Às vezes,
corre muito mal, bolas, riscas e desenhos, tudo misturado, mas são mais as
vezes que corre bem de que o contrário. Isto deu-lhe a autonomia necessária
para que hoje, com 9 anos, quando lhe mando vestir, não tenho que me
preocupar, porque sei que normalmente será uma escolha acertada.
Dor de
cabeça é ir com ela às compras, nada lhe agrada, desde o mais caro ao mais
barato, sapatos e ou sapatilhas, o pesadelo é o mesmo. Pode entender o comum
mortal que a miúda é caprichosa, por acaso é muito, mas eu deixo-a escolher,
porque inconscientemente ou até mesmo consciente, quero que saiba que é ela que
sabe. E como muitas vezes lhe digo, que nunca deixe que ninguém lhe diga o que
pode ou não fazer só porque a outra pessoa acha que ela é que está certa.
Pago a
fatura bem cara, porque todos os dias é um desafio constante do: “eu quero” ,
“mas tu disseste”, “credo, não vou usar isso”, “não me apetece”. É uma criança
indomável, cansativa, um ser imaturo, mas ao mesmo tempo adorável e a culpa é
minha… Tanta belinha que me apetece dar-lhe, tanta...
O que quero
dizer com isto é, que cresça com a auto-estima com que sai hoje de casa, com a
cara pintada e com sombras nos olhos que eu nunca sonharia em mim. Que não se
deixe influenciar por um ou outro amigo/a, que não seja submissa com o namorado
ou namorada, que saia como lhe apeteça e não como os outros esperam.
Tem a coroa
invisível, não quer saber se gostam ou não de como está vestida ou como está
pintada. É uma força da Natureza.
Compreende
que as pessoas não são todas iguais, que homens podem gostar de homens e
que mulheres podem gostar de mulheres, este é o ponto de partida, também para
aceitar outras coisas mais complexas. Sabe reconhecer a amiga que a defendeu,
mantendo-se estoicamente ao seu lado mesmo que socialmente a prejudique. Sabe
que se um dia chegar a casa e contar-me que não ajudou um amigo/a no recreio
que vou ficar triste com ela, assim como sabe que eu sairia de casa pronta a
dar cacetadas a quem lhe fez mal.
Ensinei-a a
andar de bicicleta, a andar de patins, pu-la na natação e sempre que me diz que
quer experimentar desportivamente algo novo, se eu puder e se estiver ao meu
alcance fa-lo-ei. Ensinei-a que ser menina não invalida que não faça a mesma
coisa que os meninos.
Se quisesse
podia ser jogadora da bola, facto muito improvável, porque é um horror em tudo
o que se relaciona com futebol e ténis. Desconfio que não tem mesmo jeito para
atividades desportivas com bolas, não é mesmo a onda dela. Tanto brinca com
meninos como com meninas. Nunca da minha boca ouviu “as meninas não fazem isso”
e por isso fica sempre surpreendida quando ouve alguém dizer isto.
É uma
educação completamente diferente da minha, primeiro, porque não ousaria dizer
não à minha mãe, levaria uma berlaitada (só de lembrar ainda sinto a mãozinha
na minha cara), segundo, a minha mãe não tinha as ferramentas que eu agora
tenho, e terceiro, não tinha a disposição mental e física para estar comigo,
trabalhava muito para me sustentar.
Tenho o
desejo quase sufocante que a minha filha, nunca seja abusada, que
nunca seja abusadora, que não seja submissa e que nunca perca a sua
personalidade desafiadora. Que seja sim, mais moderada que a mãe, menos
intempestiva e menos “conflituosa”, que seja sempre livre, feliz e que saiba
que pode contar sempre com a mãe!
"And even when it all becomes too much
When you're growing old and feeling out of touchListen to this song and just take care
And know that I will be there, yeah, I will be there
No, I swear that I will, yeah, I promise I will"
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