quinta-feira, 22 de março de 2018

O meu Pai!

Vou voltar um pouco atrás no tempo, o tempo em que tinha mais ou menos a idade da minha filha, nove anos, na escola primária e que sempre se fez as prendinhas para o dia do pai. Eu tinha uma professora muito fofinha, daquelas que já não se fazem, ensinava tudo o que tinha a ensinar, era justa e castigava somente quando passávamos da linha. Ao contrário do professor ao lado que era mau, tinha todos os dias para alguém as ditas orelhas de burro, assim como as imensas reguadas que tinha prazer em aplicar, regularmente.
A minha professora atribuía um objecto qualquer para oferecermos aos nossos queridos pais, e embora nunca o transparecesse eu tinha dois problemas: a falta de jeito para o desenho e o problema maior, o de um pai ausente. Nunca tive o meu pai nestes dias especiais e naquela altura,  pensava somente para comigo  “quem me dera que o meu pai estivesse aqui”, mas era obrigada a fazer aquilo, todo o santo ano. Podia eu superar esse dia com outros dias em que o meu pai estivesse presente, mas não, o meu pai nunca estava presente. Por duas razões, uma por ser emigrante, trabalhando em navios onde ficava períodos de quatro meses na Holanda, outra porque quando cá estava, tinha uma família com dois meninos mais novos que eu, do seu casamento. Por estas razões, eu nunca fui bem vinda naquela casa, nunca tive um quarto só meu, as férias eram uma penúria, uma vez que a simpática da mulher do meu pai, tinha sempre um ou mais defeitos a apontar. Eram férias que uma menina que frequentava a primária passava a lavar a loiça e arrumar a cozinha, era o que chamamos de madrasta, no verdadeiro sentido da palavra… Se tenho boas recordações desses tempos? Só a esperança muito secreta que o meu pai se insurgisse contra aquela injustiça. Nunca aconteceu. Os anos foram passando, eu fui crescendo e um dia em plena adolescência, deixei de querer ir. Gerou-se uma grande polémica onde o meu pai culpou a minha mãe de só querer o dinheiro dele. Disse-me isto ao telefone ao qual desliguei e nunca mais quis saber dele. E se estivesse tão preocupado em ser meu pai nunca teria deixado de estar presente, mas ficou, sabemos lá, ressentido.
Tudo o que vivemos na infância marca-nos, deixa pegadas, deixa cicatrizes, que depois se revelam nas nossas ações futuras. Fiz a promessa que se um dia tivesse um filho ou filha que ela nunca iria passar por aquilo. Casei-me por teimosia, a pensar nesta promessa, na esperança de um lar cor de rosa para a minha cria. E mantive o casamento durante algum tempo devido aos meus traumas de infância, não queria de todo que a minha filha passasse o mesmo que eu tinha. Um dia olhei para ela e a única coisa que me ocorreu foi o quanto queria que ela fosse feliz. E saí para nunca mais voltar àquele casamento. Foi o melhor que fiz, porque o meu ex-marido depois disto acontecer, aos 3 anos de idade da nossa filha, consciente ou não, tornou-se um melhor pai. Um pai presente, um pai preocupado em faze-lhe feliz, um pai que faz de tudo o que está ao seu alcance para que no dia do pai esteja presente. E isso é a melhor coisa que ele faz por nós as duas. Ele fá-lo por ela, mas não sabe o quanto eu agradeço.
Houve um ano em que não pode estar presente e ligaram-me do jardim de infância a informar que ia haver uma festa do dia do pai e que era melhor eu ir buscar a minha filha, uma vez que alguns meninos também estavam na mesma situação. Partiram-me o coração pela acção. Quando a fui buscar ela não compreendeu porque não podia ficar a comer bolo com os outros meninos e meninas, só porque o pai não estava. Doeu muito, naquele momento tomei a decisão de assim que pudesse tirava-a dali. E tirei aos cinco para uma escola pública, que nunca tiveram festinhas do dia do pai ou do dia da mãe. Como é que educadores fazem isto às crianças? Como? Fazendo-as sentir diferentes? Como podem estas pessoas educar os nossos filhos? Não explicando às crianças que é normal haver pais separados, que é normal haver famílias mono parentais, que o pai ou mãe estão a trabalhar e que não podem sempre aparecer nas festinhas? E porque haver estas festinhas? Cada um celebra da forma como pode e como quiser!
Enfim continuando…
Quando o pai da minha filha diz que vem para o dia do Pai, eu respiro de alívio, porque não quero que ela sofra. Com o tempo ela mesma vai criando as suas defesas, com as minhas explicações e conversas de “há crianças que não têm uma família e blablablá”, mas pondo-me na cabeça da minha filha who cares? Eu penso que ela pensa e sinta, mas não diga “eu quero é o meu pai aqui comigo”, e tem a razão, é um direito que ela tem, o de ter o pai dela, junto dela.
O pai que foi um mau marido, mas que se a esforça para não desiludir a nossa filha. E sei que com estas acções, no que depender dele, não deixará que ninguém lhe faça mal. O meu medo foi superado pelas suas ações. E só tenho que lhe agradecer do fundo do meu coração por isso. Por saber que tentará sempre estar presente, mesmo estando a quilómetros de distância.
Se eu superei a ausência do meu pai? Estaria a mentir se dissesse que sim, mentiria se vos dissesse que não penso nele às vezes. Sim penso nele, ironicamente sou muito parecida fisicamente com ele, estamos ligados apenas nesse sentido.
O meu pai é o homem que está casado com a minha mãe há uns 20 anos, sustentou-me, deu-me estudos e ajudou-me a reerguer após o divórcio. Este meu santo padrasto nunca me julgou, esteve sempre lá quando precisei e é o melhor avô que a minha filha podia ter. Fica doente só de pensar que a netinha do coração dele está doente. Ia busca-la à creche quando tinha seis meses, fazendo sempre questão de estar presente desde o dia que minha filha nasceu. Nunca lhe pedi dinheiro, nada e ele oferece tudo sem qualquer sentimento de querer algo em troca. Este é o meu pai, o que me levou ao altar e que um dia chorarei aquando de sua morte. Do outro apenas nos une o sangue e a incrível parecença física. Se um dia tive dúvidas de quem era o meu pai, esse dia foi-me revelado quando lhe apresentei a sua neta e lhe foi indiferente. Nesse dia o meu pai deixou de ser meu pai para ser o ser que contribui para me pôr no mundo.
Pai é que o dá amor, quem ama incondicionalmente, quem se esforça para estar, quem nunca julga, quem perdoa. Pai é quem cria! 

Um brinde a todos os bons Pais, aos que se esforçam para que os seus filhos sejam felizes.

Não é carne nem o sangue,
é o coração que nos faz Pais e Filhos!


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