Quando era pequena, adorava quando o meu tio, irmão da minha
mãe, vinha passar férias a Portugal. Adorava, porque gostava muito de estar com
a minha prima, que apesar da barreira linguística, ela Holandesa e eu
Portuguesa, nos sentíamos muito bem. Facto que ainda acontece, não precisamos
de estar juntas para ainda ter aquela cumplicidade, ela sabe que eu nunca a
julgarei e eu sei o mesmo. Não tenho essa relação com a minha irmã mais velha,
que só quase na adolescência a conheci, porque a minha mãe quando emigrou
“deixou-a na terra”.
Adorava também, porque vinham em família, os quatro, ou de
carro ou de avião, e o meu tio dava sempre aquele ar de “paizão” e a minha tia
de “esposa sempre impecável, mãe de um casalinho adorável”. Adorava estar com
eles, uma vez que aquilo era o meu critério de familia perfeita, porque o meu
pai nunca me foi próximo e eu estava sempre sozinha com a minha mãe, dia e
noite. Ainda recordo esses verões com melancolia e agradecimento pelo meu tio
nos ter sempre incluído na sua vida. E se pensarem um bocadinho também chegarão
à conclusão que também vocês tinham ou têm uma referência. É o nosso lado mais
romântico.
Depois crescemos e percebemos que todos os casais têm
problemas, e que às vezes o que parece não é! A minha tia vivia sempre com o
fantasma do passado do meu tio, que como todo o emigrante Cabo Verdeano tinha
tido muitas namoradas, que antes de se casarem ele teve dois filhos com a mesma
idade, mas de mulheres diferentes. Levas com esses factos uma vida inteira, os
filhos das outras. Imaginem o incómodo da vossa mãe quando lá tem os “outros em
casa”. O mesmo se passava comigo quando ia visitar o meu pai, também eu era a
filha da outra, numa família, aparentemente perfeita, com dois meninos mais
novos que eu. É preciso ter-se estômago para conseguir lidar com tudo e é
preciso ser-se uma pessoa “clean”, que aceita sem julgar, sem ciúmes, sem
maltratar os filhos das outras.
Toda a minha geração, primos, primos em segundo grau, primos
em terceiro grau, toda uma aldeia, uma vila, uma ilha, outra ilha ou ilhas, tem
vários irmãos de vários pais ou mães. Crescemos com essa realidade, sendo
poucos os de famílias normais. É uma coisa natural no povo africano. Tentar que o comum mortal tuga perceba
isso era como tentar perceber quem nasceu primeiro, se o ovo ou se a galinha.
Não há explicação. Com o passar dos anos os cotas vão tomando juízo, vão
acentando e os filhos vão aceitando a família por inteiro, juntamo-nos em
festas com a mesma enfâse que nos juntamos num funeral tudo muito sentido, tudo
muito à flor da pele.
Cresci e cresço todos os dias, e penso sim, sou de uma
família altamente disfuncional, mas sei que os cotas, a geração da minha mãe,
fez tudo para se sentir bem com a pessoa que estava ao lado e quando não estava
bem, procurou outras pessoas até encontrarem os seus parceiros. Portanto,
tiveram a coragem para procurar a felicidade, independente da opinião de
outros, sempre é melhor que casais que estão casados uma vida inteira e não
foram felizes.
Sei que quando olho para um casal supostamente feliz não sei
se são felizes sempre ou se só estão naquele momento, que o resto dos momentos
são passados a discutir ou pior, em silêncio.
Aprendi que tenho duas famílias, a de
sangue e a do coração. Que não preciso de ter um companheiro para ter uma
família, porque família é a que te faz feliz e não a que socialmente te foi
imposta, um pai,uma mãe e um irmão. Tenho irmãs que não são de sangue, tenho um
pai verdadeiro que não é de sangue e que por sua vez a minha filha tem um avô que
não é de sangue mas que é e será sempre o seu “vô”.
Sejamos felizes com quem nos quer bem e nos mantenhamos
longe de quem não nos aceita, porque se não te aceitam tal como és, não gostam
de ti, se te apagas para agradares aos outros, também não te aceitas.
Quanto ao meu tiozão com altos e baixo no seu casamento,
continua feliz e contente com a minha tia, na minha cabeça ainda os tenho como
referência, mas tenho muito mais respeito e admiração pela minha tia.
Não existem familias perfeitas. Quando começas a crescer como
pessoa, percebes naturalmente que a felicidade não é um ideia pré concebida mas
sim um conjunto de momentos felizes que tu construíste e que passa sobretudo
pela tua paz interior .
Sejam felizes, a família virá seja ela qual for onde for com
quem for.
Sem comentários:
Enviar um comentário