terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Não existem familias perfeitas.

Quando era pequena, adorava quando o meu tio, irmão da minha mãe, vinha passar férias a Portugal. Adorava, porque gostava muito de estar com a minha prima, que apesar da barreira linguística, ela Holandesa e eu Portuguesa, nos sentíamos muito bem. Facto que ainda acontece, não precisamos de estar juntas para ainda ter aquela cumplicidade, ela sabe que eu nunca a julgarei e eu sei o mesmo. Não tenho essa relação com a minha irmã mais velha, que só quase na adolescência a conheci, porque a minha mãe quando emigrou “deixou-a na terra”.
Adorava também, porque vinham em família, os quatro, ou de carro ou de avião, e o meu tio dava sempre aquele ar de “paizão” e a minha tia de “esposa sempre impecável, mãe de um casalinho adorável”. Adorava estar com eles, uma vez que aquilo era o meu critério de familia perfeita, porque o meu pai nunca me foi próximo e eu estava sempre sozinha com a minha mãe, dia e noite. Ainda recordo esses verões com melancolia e agradecimento pelo meu tio nos ter sempre incluído na sua vida. E se pensarem um bocadinho também chegarão à conclusão que também vocês tinham ou têm uma referência. É o nosso lado mais romântico.
Depois crescemos e percebemos que todos os casais têm problemas, e que às vezes o que parece não é! A minha tia vivia sempre com o fantasma do passado do meu tio, que como todo o emigrante Cabo Verdeano tinha tido muitas namoradas, que antes de se casarem ele teve dois filhos com a mesma idade, mas de mulheres diferentes. Levas com esses factos uma vida inteira, os filhos das outras. Imaginem o incómodo da vossa mãe quando lá tem os “outros em casa”. O mesmo se passava comigo quando ia visitar o meu pai, também eu era a filha da outra, numa família, aparentemente perfeita, com dois meninos mais novos que eu. É preciso ter-se estômago para conseguir lidar com tudo e é preciso ser-se uma pessoa “clean”, que aceita sem julgar, sem ciúmes, sem maltratar os filhos das outras.
Toda a minha geração, primos, primos em segundo grau, primos em terceiro grau, toda uma aldeia, uma vila, uma ilha, outra ilha ou ilhas, tem vários irmãos de vários pais ou mães. Crescemos com essa realidade, sendo poucos os de famílias normais. É uma coisa natural no povo  africano. Tentar que o comum mortal tuga perceba isso era como tentar perceber quem nasceu primeiro, se o ovo ou se a galinha. Não há explicação. Com o passar dos anos os cotas vão tomando juízo, vão acentando e os filhos vão aceitando a família por inteiro, juntamo-nos em festas com a mesma enfâse que nos juntamos num funeral tudo muito sentido, tudo muito à flor da pele.
Cresci e cresço todos os dias, e penso sim, sou de uma família altamente disfuncional, mas sei que os cotas, a geração da minha mãe, fez tudo para se sentir bem com a pessoa que estava ao lado e quando não estava bem, procurou outras pessoas até encontrarem os seus parceiros. Portanto, tiveram a coragem para procurar a felicidade, independente da opinião de outros, sempre é melhor que casais que estão casados uma vida inteira e não foram felizes.
Sei que quando olho para um casal supostamente feliz não sei se são felizes sempre ou se só estão naquele momento, que o resto dos momentos são passados a discutir ou pior, em silêncio.
Aprendi que tenho duas famílias, a de sangue e a do coração. Que não preciso de ter um companheiro para ter uma família, porque família é a que te faz feliz e não a que socialmente te foi imposta, um pai,uma mãe e um irmão. Tenho irmãs que não são de sangue, tenho um pai verdadeiro que não é de sangue e que por sua vez a minha filha tem um avô que não é de sangue mas que é e será sempre o seu “vô”.
Sejamos felizes com quem nos quer bem e nos mantenhamos longe de quem não nos aceita, porque se não te aceitam tal como és, não gostam de ti, se te apagas para agradares aos outros, também não te aceitas.
Quanto ao meu tiozão com altos e baixo no seu casamento, continua feliz e contente com a minha tia, na minha cabeça ainda os tenho como referência, mas tenho muito mais respeito e admiração pela minha tia.
Não existem familias perfeitas. Quando começas a crescer como pessoa, percebes naturalmente que a felicidade não é um ideia pré concebida mas sim um conjunto de momentos felizes que tu construíste e que passa sobretudo pela tua paz interior .

Sejam felizes, a família virá seja ela qual for onde for com quem for.

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