quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Introspecção em tempos de Covid!

Desde o dia 9 de Março que estou em casa em teletrabalho. Se nas primeiras semanas encarei tudo como uma coisa temporária, depois de alguns meses, 8 meses para ser mais precisa, prevejo que ainda irei ficar em casa por muito tempo.

Não vou negar, as manhãs sabem-me pela vida. Em vez de acordar esbaforida, porque são sete e um quarto e já não vou ter tempo de fazer as minhas panquecas e tenho de apelar à mini pessoa para que se despache, porque tem que sair antes de mim. Sou daquelas mães não muito lamechas, mas antes de sair de casa, a minha filha por mais amuada que esteja comigo, tenho de lhe dar um beijo ir à janela acenar-lhe, apesar de nem sequer se virar. Mentalmente penso que não quero que as nossas últimas palavras antes de sair de casa, sejam de animosidade ou que não lhe dei um beijo e não lhe desejei um bom dia. Há dias em que a mini pessoa me levou tanto à loucura que só digo tchau, mas fico com aquela moinha na cabeça. Coisas de mãe.

Bom, com o Covid veio a quarentena e os hábitos mudaram consideravelmente. É um alívio não haver este meu pequeno grande stress de manhã. Por mim era ir ao escritório de quinze em quinze dias. Ou seja, gosto de pensar que poderia voltar ao trabalho no regime quinzenal ou ir duas a três vezes por semana. Porque não? Está provado que em casa somos mais produtivos do que na nossa secretária do escritório.

Digo ir ao escritório porque me faz falta sair, sair de casa e socializar.

Sim, posso sair ao fim-de-semana, mas não vou estar todo o fim de semana a confraternizar com pessoas, até porque essas pessoas têm a sua própria vida. Se eu antes utilizava o fim-de-semana para refúgio de pessoas, agora anseio sair, nem que seja para ir comer um gelado a Lisboa, a qualquer lado por assim dizer. Não tenho problemas em estar sozinha, é um estado que aprecio bastante, mas o facto de não poder sair em liberdade sem tem que pensar para onde vou porque pode estar muita gente, não poder andar pela rua livremente porque tenho de ir com máscara a qualquer lado. E quando vou tenho de estar com o gelinho para aqui e para ali, nhecs nhecs. Se vou a um centro comercial, no espaço de uma hora estou a desinfetar as mãos pelo menos umas dez vezes. Ou seja, eu chego a casa e sinto-me literalmente suja com vontade de tomar banho ou no mínimo lavar as mãos e os braços durante bastante tempo de tão pegajosa que me sinto.

Sinto falta da liberdade, do ser livre. Nunca dei tanto valor a ser livre como dou agora.

Covid tirou-nos a liberdade, roubou-nos pessoas e trouxe-nos uma nova realidade.

Por outro lado, temos tempo para refletir. Temos tempo para tudo, será que o aproveitamos como devíamos?

Tenho a certeza que não. Podia ler mais livros, fazer mais exercício, conhecer outras coisas culturais na internet. Fiz, mas terá sido o suficiente? É obvio que não. Tive e tenho momentos em que estou altamente motivada, mas outros que só me apetece estar no sofá a devorar Netflix para não pensar no mundo.

Devorei o BIG Brother 2020 sem vergonhas, constatei que pessoas serão sempre pessoas, fuinhas, mas que de vez em quando, aparece uma ou duas pessoas que te surpreendem pela positiva. A vencedora ensinou-me que se pode ser boa pessoa. E quando digo boa pessoa, é mesmo o tipo de pessoa que vê sempre o lado bom das coisas porque escolheu fazê-lo. Se no início achei que não podia ser assim, no fim estava rendida. Se foi uma justa vencedora? Não sei, acho que era mais pela team Diogo. Esse sim ensinou-me muita coisa. Ele dizia muitas vezes que não temos sempre de reagir. Se não gostas de mim, por mim tudo bem, não tenho de lutar contra isso. Se não concordas com uma coisa, não tens de o dizer sempre. Se estás zangado, retira-te, pensa, respira acalma-te primeiro, e a melhor de todas, “aceita que dói menos”.

E meus caros leitores já se passaram dois meses e eu tento ter esta máxima do Diogo, mesmo sendo difícil. Convenhamos, eu não conseguiria que me espetassem o dedo na cara a gritar comigo e ficar impávida e serena, como ele ficou. Via-se que estava nervoso, mas o autocontrolo que teve naquele momento para não reagir, estou a anos de luz.

Este meu passatempo era o meu refúgio para os meus ataques de ansiedade. E pensam vocês como? Tinha pânico ao pensar que um dos meus podia ficar doente, eu não me preocupava comigo. A minha consternação eram a minha filha e a minha mãe. Todos nós tivemos ataques de pânico, mas quase ninguém o disse. Às vezes hiperventilava só de pensar na miúda num hospital, sozinha, provavelmente anestesiada porque ela não consegue conceber a ideia de agulhas e Hospitais. Pensava na minha mãe asmática e no meu padrasto que nunca pararam de trabalhar, já com uma idade avançada. Sim, houve momentos que só a música, variadíssimos podcasts, exercício, Big Brother e pelo meio uma semana de férias no campo, numa casa isolada com piscina, o respirar sem ter que pensar em nada.

Passando à frente, tive tempo para refletir nas minhas relações pessoais e não tão pessoais. Tive o homem cá em casa dois meses inteiros, mais a minha filha. Se no segundo mês estava pelos cabelos, quando ele voltou ao escritório foi meio um descanso, mas perdi a vontade de ter rotinas.

Então tive outra vez tempo para pensar. Pensar que enquanto muitos casais não se suportaram, eu não tive motivos de queixa. Ele tratava e trata da roupa, e fundamentalmente uma vez por semana proporcionava-me uma sangria de frutos vermelhos como que a celebrar a vida. Nem tudo foi um mar de rosas, mas devo admitir que não foi nada mau, tirando um pormenor ou outro, convenhamos ninguém é perfeito, mas dava-me espaço quando precisava e fazia-me rir. Ele por sua vez tinha como escape, falava e fala duas vezes por semana com os seus amigos de infância. Penso que para dois dos amigos que estando sozinhos, deve ter ajudado imenso.

Muitas vezes pensei nas pessoas que não têm ninguém ou nos velhotes que a única maneira de socializar era quebrar as regras e ir à rua. O quanto sozinhas se devem ter sentido. Pensei nas pessoas que o seu salário foi reduzido ou mesmo naquelas que não tinham nada para comer. Aprendi a ser grata, sim, já era grata, mas nunca passei fome, nunca tive de ir pedir comida pela minha filha.

Grata porque até agora o Covid ainda não fez danos na minha família, nos meus mais próximos. Triste porque perdi um querido colega nesta luta. Um colega que quando tenho problemas no computador me fazem lembrar dessa pessoa que tinha sempre uma teoria. Que me ouvia tudo e todos com muita calma. Era uma boa pessoa e já cá não está. No fim morreu numa cama de um hospital sem saber que estava a morrer, sozinho sem a família por perto.

Portanto, sim, agradecemos o que temos e o que não temos.

De Março a Setembro passaram-se tanta coisa que não tive vontade de escrever. Foi uma fase de introspeção. Quando escrevemos temos de nos dar, abdicar do nosso eu para poder escrever. No meu caso é uma terapia que de vez em quando preciso. Por isso não escrevo tantas vezes como devia, o dar por si só à escrita é exigente. Aos poucos regressos à minha terapia e falar destes tempos de Covid. Dos tempos de controvérsia, mas também de paz interior.

 

Por isso parem, escutem e olhem. Pode parecer um cliché, mas cada segundo é um flash.

Sejam felizes!

FEELING GOOD - VERSAO MUSE