quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Consultas online em tempos de Covid!

Uma das coisas que começou a aparecer na quarentena foram as consultas médicas online.

Eu tive uma no segundo mês de confinamento, de endocrinologia.

Isto como já várias vezes escrevi, durante grande parte da minha vida lutei contra o excesso de peso. As pessoas dizem “ah e tal, estás bem, não estás assim tão gorda”. Não estou, é um facto. Mas o que eu gostava mesmo, era ter menos quilos, por diversas razões: não gosto de me sentar, olhar para baixo e ver aquela boia de gordura à minha volta, não gosto de ver os braços flácidos e o duplo queixo, tudo isto implica que tenha que tirar mil fotos até achar a melhor. Mas o que menos suporto é quando quero correr e sinto-o, nas pernas, nas coxas, em todo o lado. Sinto que o peso não me deixa ser mais veloz. Posso correr todos os dias e a perda de peso ser um quilo num mês, quando é. É uma frustração quase diária!

Perante as razões acima, pensei para mim que algo vai mal neste meu sistema interno. Já tinha marcado esta consulta antes do confinamento e ficou em suspenso aquando da quarentena. Quando foi possível, o hospital contactou-me e perguntou se estaria interessada numa eventual consulta online. Como estava em casa e o desejo árduo em perceber o que para aqui vai, disse que sim. Foi uma consulta normal com as perguntas do costume:

Quantos anos tenho?

Qual o peso?

Se sempre tive excesso de peso?

Quando fiz a primeira dieta?

Quando pesava quando tinha 13 anos?

Só a última foi nova para mim, a qual a doutora explicou que o nosso corpo tenta sempre recuperar aquele peso dos 13 anos. Bolas! Eu depois dos 11 parecia uma bolinha. Vou eu lutar contra isso a vida toda?

A doutora lá me mandou fazer umas análises ao sangue e descobriu que tenho uma resistência à insulina, a hormona que o nosso pâncreas produz para combater os hidratos de carbono. Ou seja, tenho algum risco de diabetes e o meu pâncreas não está a funcionar corretamente, logo tenho dificuldade em perder peso... pronto, agora já sei qual o cerne da questão.

Dito isto a senhora doutora muito querida apresentou-me 2 soluções:

A dieta, que fui logo avisando que sozinha eu não consigo dado ao meu historial e factos apresentados.

Ou a forma mais radical para perder peso rapidamente, a medicação. E aqui abriu-se um todo novo livro e à medida que ia explicando eu ia percebendo que nada sei, que a suplementação que se vende por aí nas farmácias, ervanárias e supermercados é zero.

Dentro da medicação apresentou 3 soluções:

1-    Injeções diárias tipo as pessoas que têm diabetes fazem todos os dias, ou seja, uma injeção por dia diretamente na banha da barriga. Diz que em 15 dias notaria diferenças, preço: 200 e poucos euros.

2-    Comprimidos três vezes ao dia, que tiram literalmente o apetite, 90 euros a caixa.

3-    Comprimidos uma vez por dia, 60 euros a caixa

Na minha cabeça enquanto a doutora explicava eu só pensava “WTF? Injeções?”, pus a opção 1 de parte porque não sou obesa mórbida e já basta os diabéticos serem obrigados a fazê-lo por questões de saúde. Não o ia fazer por uma questão de vaidade, ainda não estou nesse nível. E duzentos euros? No way!

Optei pela segunda opção. Isto foi em junho. Notei uma perda de apetite considerável, na terceira semana, ou seja, só comia quando me lembrava, mas meus amigos, eu tinha como função, semana após semana, tirar as minhas medidas. Julgam vocês que perdi muito volume não comendo, mas não. Exatamente igual, três meses depois.

Pois bem, este outubro lá fui à consulta ciente que nada tinha mudado em mim, apenas psicologicamente estava em paz comigo mesma.

Comecei por explicar isto à senhora doutora e ela começa com um “não acredito” e pediu-me para que me pesasse, e lá está nem um quilo a mais nem a menos. Exatamente na mesma.

Vi estampada a frustração na cara da doutora o que para mim já é tão frequente, mas frustrante ao mesmo tempo.

Senti que:

- Primeiro, não  acreditava em mim quando lhe dizia que não tinha apetite, e que voltei aos treinos e caminhadas, não tanto efusivamente como antes da quarentena, mas não estou parada, como sopa, saladas a maior parte da semana, não como muitas vezes pão e portanto não havia razão nenhuma para não ter reduzido o volume consideravelmente, tendo diminuído a alimentação.

Não reduzi em nada, peso e medidas.

- Em segundo, não se mostrou mais preocupada em ir mesmo ao fundo da questão, limitou-se apenas a aconselhar-me mais duas opções:

 As tais injeções e a segunda, reencaminhar-me para uma colega médica que está apta para me receitar a dieta cétogénica, ou seja, só comer Pronokal…

Pois pensem lá. Então faço uns primeiros exames, passa-me uns comprimidos e perante uma adversidade, que é a minha pessoa, passa a bola para outra colega. Pensei que na vida temos sempre este tipo de pessoas que passam a bola, “fiz o que pude e o meu papel está feito.” Só que não!

Senti que podia ter encarado aquilo como um desafio, fazer novos exames, não desmoralizar, em vez de me “receitar” uma dieta cétogénica, em que só devo comer pura proteína. Talvez dê resultado, talvez não.

Isto foi num hospital de gabarito, podia ter sido numa clínica qualquer. As pessoas é que fazem a diferença, esta médica podia ter tentado ser diferente e não me descartar para outra pessoa, sendo a solução mais fácil, para ela e não para mim.

Portanto neste momento encontro-me em stand by, continuo a exercitar-me, a ter cuidado com a alimentação e a pensar serenamente no meu próximo passo.

Vou continuar a ouvir podcasts, ouvir música, tentar sempre encontrar o equilíbrio na minha pessoa e nunca me contentar.

O que acham que deva fazer?

Não digam deixar de comer, ok? (brincadeirinha)

 

Estarei constantemente à procura de  evolução porque se não o fizer, estagnarei e algo em mim deixará de existir.

 

 


 

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Raça só há uma: a Humana!

 Se bem se recordam no meu último texto, desabafei que algumas coisas/assuntos me deixaram zangada nestes últimos meses.

Isto já se passou há algum tempo, mas eu não conseguia pensar sem me enfurecer secretamente. Então tive de me acalmar para depois escrever.

Podia começar pelo Trump e a sua estupidez, Bolsonaro e o seu ego energúmeno, na morte George Floyd, a morte de Bruno Candé, André Ventura e os seus seguidores, enfim tanta coisa que se passou que me irritou profundamente. E às vezes nem conseguia falar destes assuntos de tão mau estar que me causavam.

1º caso:

Comecemos por George Floyd e tantos que já morreram e continuam a morrer devido ao seu tom de pele.

Quando oiço pessoas a dizer que as manifestações são muito exageradas e que são vândalos, fico siderada, como se a ação de meia dúzia de rufias servisse para ofuscar o que realmente se passa naquele país e alguns outros. Ok, talvez o modo de manifestação não seja correto e estou a falar das pilhas às lojas, dos incêndios, entre outras coisas. Mas como é que pessoas podem julgar, se nunca passaram aquilo, se nunca perderam um ente querido, que nunca tenham visto ou sentido na pele o preconceito. Há ali famílias que já perderam, um pai, um irmão, um tio, um amigo ou um vizinho. Como não se zangarem quando um polícia esteve em cima do pescoço de um homem durante oito minutos. Oito minutos! Por favor fechem os olhos por oito minutos. Oito minutos é uma eternidade. Fê-lo porque achou genuinamente que podia fazer aquilo, que estava no seu direito.

Eu ouvir: “mas porque é que ele não parou quando a polícia lhe mandou parar” ou “o que estava ele a fazer ali aquela hora” ou “mas estava a assaltar”. Dá-me ânsias.

Leitores, eu não oiço perguntar porque é que um branco está na rua à meia noite com capucho a fumar, pois não?

Se o negro não parou e morreu por causa disso, ele não parou porque sabia que se parasse ou ia ser espancado ou ia morrer. Ou o simples ato de ir ao porta-luvas  tirar a identificação para a mostrar, é motivo para se ser baleado. E porquê usar balas ou força física quando há tasers?

Ouvir coisas como “eles estão sempre a vitimizar-se”, fico a pensar em variadíssimas coisas das quais exponho uma ínfima ideias e perguntas:

O que farias ou sentirias se a tua família fosse escravizada durante séculos, posta no tronco, as mulheres da tua família fossem tratadas como lixo, violadas, espancadas, entre outras coisas?

Percebam, estas famílias escravizadas foram passando de geração em geração estas histórias e muitas vivendo na pele em pleno século XXI.

Lembrem-se que nos EUA até 1955 os negros não podiam partilhar casas de banho com brancos, não podiam sentar-se nas filas da frente dos autocarros, nasciam em hospitais separados e eram enterrados em áreas diferentes. E tambémnão podiam estudar nas escolas para brancos. Ora, imaginem que até então os negros tinham trabalhos como empregados de limpeza, serventes a ganhar pouquíssimo, quando ganhavam… São muito poucas as crianças que conseguem sair deste Loop porque abandonavam a escola cedo para poder ajudar a família.

1955! Só estamos em 2020.

Como o bispo sul- africano, Desmond Tutu dizia: “Ao ficar neutro em situações de injustiça, tu escolhes o lado do opressor”.

Infelizmente casos como Floyd acontecem várias vezes naquele país e vão continuar a acontecer enquanto não se reeducar, dar formação, sensibilizar as forças policiais para que a bandeira da Paz seja hasteada um dia.

2º caso

Bruno Candé que podia muito bem ser o meu ou de qualquer negro/preto, pessoa de cor, em Portugal.

Foi baleado por uma pessoa que o odiava, odiava os negros desde os tempos de guerra. Um odio silencioso, mas escondido lá bem no íntimo, até lhe aparecer Bruno Candé pela frente.

Eu não digo que Portugal é um país racista. Digo que Portugal tem muitas pessoas racistas, camufladas em sorrisos e frases feitas.

Frases essas que estão tão enraizadas, que as pessoas nem se apercebem, das quais passo a citar algumas:

- Mas tu não és bem preta, tu és diferente.

- Vocês são racistas uns com os outros... (como se fossemos obrigados a gostar de todos só porque temos o mesmo tom de pele, e, se no mundo os direitos, não são iguais devido ao tom de pele, sim, é racismo).

- Mas a tua mãe é tão clara.

- És de onde?

- Falas tão bem português, tipo sem sotaque.

- Agora tudo é racismo,... a sério? E quem diz isto? A pessoa que nunca sofreu na pele, o desdém de alguém quando olha para a cor? Então, mas vamos todos ficar calados perante injustiças, porque algumas pessoas querem empurrar este assunto para debaixo do tapete?

-Toma lá o lápis cor de pele… Tantas vezes ouvi isto até ao nono ano. E quando a minha filha foi para o jardim de infância, tive que lhe explicar que não existe lápis cor pele... Porque a educadora de infância insistia em dizer cor de pele. Até que que tive que dizer à senhora para não dizer lápis cor de pele, mas sim bege. Mesmo depois disso tive que explicar várias vezes à minha filha que as pessoas não têm todas a mesma cor de pele. Eu tenho um tom diferente dela, a avó com pele clara tem um tom de pele diferente do avô branco que nem cal, que por sua vez é diferente da educadora de infância branca que é morena.

Podia estar aqui o dia todo a dissertar sobre comentários destes. O que me custa mais? No que toca à minha pessoa, não muito, já passei por isso já tenho as minhas defesas/barreiras ou simplesmente ignoro, mas no que toca à minha filha, dói-me, o meu coração fica partido quando vejo nos olhos dela a incompreensão.

Dói-me saber que um dia vai ser chamada de preta como um insulto, vai ser rejeitada por alguém devido ao seu tom de pele, como já me aconteceu. Dói-me porque gozaram tanto com o cabelo afro dela no terceiro ano que nunca mais quis usar o seu cabelo solto. Ora porque lhe tocavam no cabelo, ora porque lhe chamavam palha de aço.

O comum “homem branco” não sabe o que é sentir isso, por isso não me venham falar em vitimização. Esse tipo de pessoas nunca teve de sentir o olhar de desdém de alguém, branco normalmente, só porque entramos num estabelecimento comercial.

Não digam que não acreditam que não há racismo só porque eu tenho um trabalho de secretária, e falo português correto.

Prova disso, aquando da morte de Bruno Candé surrou-se que o falecido não era boa rés e que provavelmente fez alguma coisa para desencadear tudo.

A comunicação social andou pelas ruas a tentar arrancar um testemunho mau, para que se pudesse justificar aquilo. Como se alguma coisa justificasse um homem estar sentado na esplanada e lhe ser roubado a vida, enquanto se proferia palavras de ódio.

E ao invés de políticos dizerem, sim, vamos tratar isto com a educação, o que andaram a fazer?

Bandeiras contra o racismo, bandeiras antirracismo que por si só é racista. O perigo não está no André Ventura, está nos seus seguidores que acreditam em tudo o que o senhor diz. Lá porque o senhor insurgiu-se contra os ciganos. Meus amigos vamos lá ver. Os ciganos era o alvo mais fácil, era o ponto que ele tinha de lançar, foi o primeiro a abordar o assunto sem medos, sem camuflagens. E é claro, povinho que é povinho diz que ele tem razão.

Mas quantos senhoras de boas posses declaram o salário mínimo para as suas crianças possam entrar nas IPSS. Porque não trabalham e  só há um rendimento em casa? Investigaram os negócios paralelos dos maridos?

André Ventura diz que não há racismo em Portugal e organiza uma marcha contra os que dizem que há racismo. Alguns ficaram incrédulos, eu fiquei: “saiam todos da toca”.

E aquele argumento que até temos um ministro mais escurinho e uma ministra da justiça preta?

Mata-me!

Sabem o que falta?

Mais representatividade de todas as etnias!

Vemos poucos políticos, jornalistas, advogados, ministros, professores, nos bancos, nos locais da função pública, na música, no teatro, no cinema até nas telenovelas. Não há representatividade, fazendo com que muito as crianças negras ou de outras etnias pensem que não chegarão ao topo, que aqueles lugares não são para pessoas não brancas.

O mais recente frenesim, SIC Notícias tem um pivô negro e com rastas! Wow. Vou aproveitar e dizer que tenho muito orgulho no senhor e que deve ter penado muito por lá chegar. Já é um começo ser pivot às onze da manhã, mas fazer disso uma grande notícia? Sabem porquê? Porque lá está, não é normal ver “pessoas de cor” como pivots.

Não há racismo em Portugal, mas quantos jornalistas negros são pivot? Não me venham dizer que não há pessoas, porque há. Se têm as mesmas oportunidades, não!

Pensem, temos uma enorme percentagem de pessoas negras e de outras etnias em Portugal. Temos 3 ou 4 pivôs? A sério?

Em posts futuros deixarei o meu testemunho sobre diversas situações que todos nós, não brancos passamos diariamente.

E como Morgan Freeman disse e muito bem: “Eu vou parar de te chamar de homem branco. E, eu vou pedir que pares de me chamar de homem negro. Eu conheço-te como Mike Wallace e tu me conheces como Morgan Freeman. Tu não dizes: “Bem! Este homem branco que se chama Mike Wallace”. Ninguém diz isso.”

Eu vivo há anos com um homem branco, e quando falo dele não anúncio ao Mundo, que ele se chama X e é branco. Apesar de saber que no fundo as pessoas partem do princípio que é negro e não suspeitam que é branco como a cal e de olhos azuis cor do céu.

Raça só há uma: a Humana!

 O racismo é um problema, como o alcoolismo, que é preciso curar. É hereditário, tu ensinas os teus filhos. Cresce de geração em geração. Se o tratássemos como uma doença, não rejeitaríamos os demais”, -Trevor Noa- 

 

Um pouco da história afro americana numa versão reggae: 

Is It Because I'm Black ?

"...Is it because I'm black?

Yeahhh

In this world of no pity

I was raised in the ghetto of the city

Momma, she worked so hard

To earn every penny

Something is holding me back

Is it because I'm black?

Something is holding me back

Is it because I'm black?..."





quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Introspecção em tempos de Covid!

Desde o dia 9 de Março que estou em casa em teletrabalho. Se nas primeiras semanas encarei tudo como uma coisa temporária, depois de alguns meses, 8 meses para ser mais precisa, prevejo que ainda irei ficar em casa por muito tempo.

Não vou negar, as manhãs sabem-me pela vida. Em vez de acordar esbaforida, porque são sete e um quarto e já não vou ter tempo de fazer as minhas panquecas e tenho de apelar à mini pessoa para que se despache, porque tem que sair antes de mim. Sou daquelas mães não muito lamechas, mas antes de sair de casa, a minha filha por mais amuada que esteja comigo, tenho de lhe dar um beijo ir à janela acenar-lhe, apesar de nem sequer se virar. Mentalmente penso que não quero que as nossas últimas palavras antes de sair de casa, sejam de animosidade ou que não lhe dei um beijo e não lhe desejei um bom dia. Há dias em que a mini pessoa me levou tanto à loucura que só digo tchau, mas fico com aquela moinha na cabeça. Coisas de mãe.

Bom, com o Covid veio a quarentena e os hábitos mudaram consideravelmente. É um alívio não haver este meu pequeno grande stress de manhã. Por mim era ir ao escritório de quinze em quinze dias. Ou seja, gosto de pensar que poderia voltar ao trabalho no regime quinzenal ou ir duas a três vezes por semana. Porque não? Está provado que em casa somos mais produtivos do que na nossa secretária do escritório.

Digo ir ao escritório porque me faz falta sair, sair de casa e socializar.

Sim, posso sair ao fim-de-semana, mas não vou estar todo o fim de semana a confraternizar com pessoas, até porque essas pessoas têm a sua própria vida. Se eu antes utilizava o fim-de-semana para refúgio de pessoas, agora anseio sair, nem que seja para ir comer um gelado a Lisboa, a qualquer lado por assim dizer. Não tenho problemas em estar sozinha, é um estado que aprecio bastante, mas o facto de não poder sair em liberdade sem tem que pensar para onde vou porque pode estar muita gente, não poder andar pela rua livremente porque tenho de ir com máscara a qualquer lado. E quando vou tenho de estar com o gelinho para aqui e para ali, nhecs nhecs. Se vou a um centro comercial, no espaço de uma hora estou a desinfetar as mãos pelo menos umas dez vezes. Ou seja, eu chego a casa e sinto-me literalmente suja com vontade de tomar banho ou no mínimo lavar as mãos e os braços durante bastante tempo de tão pegajosa que me sinto.

Sinto falta da liberdade, do ser livre. Nunca dei tanto valor a ser livre como dou agora.

Covid tirou-nos a liberdade, roubou-nos pessoas e trouxe-nos uma nova realidade.

Por outro lado, temos tempo para refletir. Temos tempo para tudo, será que o aproveitamos como devíamos?

Tenho a certeza que não. Podia ler mais livros, fazer mais exercício, conhecer outras coisas culturais na internet. Fiz, mas terá sido o suficiente? É obvio que não. Tive e tenho momentos em que estou altamente motivada, mas outros que só me apetece estar no sofá a devorar Netflix para não pensar no mundo.

Devorei o BIG Brother 2020 sem vergonhas, constatei que pessoas serão sempre pessoas, fuinhas, mas que de vez em quando, aparece uma ou duas pessoas que te surpreendem pela positiva. A vencedora ensinou-me que se pode ser boa pessoa. E quando digo boa pessoa, é mesmo o tipo de pessoa que vê sempre o lado bom das coisas porque escolheu fazê-lo. Se no início achei que não podia ser assim, no fim estava rendida. Se foi uma justa vencedora? Não sei, acho que era mais pela team Diogo. Esse sim ensinou-me muita coisa. Ele dizia muitas vezes que não temos sempre de reagir. Se não gostas de mim, por mim tudo bem, não tenho de lutar contra isso. Se não concordas com uma coisa, não tens de o dizer sempre. Se estás zangado, retira-te, pensa, respira acalma-te primeiro, e a melhor de todas, “aceita que dói menos”.

E meus caros leitores já se passaram dois meses e eu tento ter esta máxima do Diogo, mesmo sendo difícil. Convenhamos, eu não conseguiria que me espetassem o dedo na cara a gritar comigo e ficar impávida e serena, como ele ficou. Via-se que estava nervoso, mas o autocontrolo que teve naquele momento para não reagir, estou a anos de luz.

Este meu passatempo era o meu refúgio para os meus ataques de ansiedade. E pensam vocês como? Tinha pânico ao pensar que um dos meus podia ficar doente, eu não me preocupava comigo. A minha consternação eram a minha filha e a minha mãe. Todos nós tivemos ataques de pânico, mas quase ninguém o disse. Às vezes hiperventilava só de pensar na miúda num hospital, sozinha, provavelmente anestesiada porque ela não consegue conceber a ideia de agulhas e Hospitais. Pensava na minha mãe asmática e no meu padrasto que nunca pararam de trabalhar, já com uma idade avançada. Sim, houve momentos que só a música, variadíssimos podcasts, exercício, Big Brother e pelo meio uma semana de férias no campo, numa casa isolada com piscina, o respirar sem ter que pensar em nada.

Passando à frente, tive tempo para refletir nas minhas relações pessoais e não tão pessoais. Tive o homem cá em casa dois meses inteiros, mais a minha filha. Se no segundo mês estava pelos cabelos, quando ele voltou ao escritório foi meio um descanso, mas perdi a vontade de ter rotinas.

Então tive outra vez tempo para pensar. Pensar que enquanto muitos casais não se suportaram, eu não tive motivos de queixa. Ele tratava e trata da roupa, e fundamentalmente uma vez por semana proporcionava-me uma sangria de frutos vermelhos como que a celebrar a vida. Nem tudo foi um mar de rosas, mas devo admitir que não foi nada mau, tirando um pormenor ou outro, convenhamos ninguém é perfeito, mas dava-me espaço quando precisava e fazia-me rir. Ele por sua vez tinha como escape, falava e fala duas vezes por semana com os seus amigos de infância. Penso que para dois dos amigos que estando sozinhos, deve ter ajudado imenso.

Muitas vezes pensei nas pessoas que não têm ninguém ou nos velhotes que a única maneira de socializar era quebrar as regras e ir à rua. O quanto sozinhas se devem ter sentido. Pensei nas pessoas que o seu salário foi reduzido ou mesmo naquelas que não tinham nada para comer. Aprendi a ser grata, sim, já era grata, mas nunca passei fome, nunca tive de ir pedir comida pela minha filha.

Grata porque até agora o Covid ainda não fez danos na minha família, nos meus mais próximos. Triste porque perdi um querido colega nesta luta. Um colega que quando tenho problemas no computador me fazem lembrar dessa pessoa que tinha sempre uma teoria. Que me ouvia tudo e todos com muita calma. Era uma boa pessoa e já cá não está. No fim morreu numa cama de um hospital sem saber que estava a morrer, sozinho sem a família por perto.

Portanto, sim, agradecemos o que temos e o que não temos.

De Março a Setembro passaram-se tanta coisa que não tive vontade de escrever. Foi uma fase de introspeção. Quando escrevemos temos de nos dar, abdicar do nosso eu para poder escrever. No meu caso é uma terapia que de vez em quando preciso. Por isso não escrevo tantas vezes como devia, o dar por si só à escrita é exigente. Aos poucos regressos à minha terapia e falar destes tempos de Covid. Dos tempos de controvérsia, mas também de paz interior.

 

Por isso parem, escutem e olhem. Pode parecer um cliché, mas cada segundo é um flash.

Sejam felizes!

FEELING GOOD - VERSAO MUSE